“Serviço de inteligência precisa ser controlado”

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“Serviço de inteligência precisa ser controlado”

A constante ameaça de terrorismo, pós-ataques de 11 de setembro, nos Estados Unidos, e a globalização do crime organizado fizeram com que os países reforçassem as suas as agências de inteligência. Consequentemente, houve a exigência de maior controle dessas atividades. No Brasil, praticamente não existe controle sobre as atividades do serviço secreto do governo, sobretudo controle externo, aquele que deveria ser feito pelo Legislativo e pela sociedade.

Material para mudar esse quadro não falta. Prova disso é Políticos e espiões — o controle da atividade de inteligência, livro da editora Impetus, em que o advogado Joanisval Brito Gonçalves se debruça sobre as formas de controle de atividades de inteligência e ressalta a importância dessa fiscalização em uma sociedade pautada pelo Estado democrático de Direito.

“Os serviços secretos lidam com informações bastante sensíveis e, com isso, acabam adquirindo um poder que, se não estiver sob rígido controle, pode culminar em abusos e arbitrariedades. Isso já aconteceu em diversas partes do mundo, como nos Estados Unidos, no Canadá, na Argentina e, é claro, também no Brasil”, alerta o autor na obra. Bacharel em Direito pela UniCeub e em Relações Internacionais pela UnB, Joanisval Brito Gonçalves é consultor legislativo do Senado para a área de Relações Exteriores e Defesa Nacional e para a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso. Também é mestre e doutor em Relações Internacionais, também é ex-analista de informações da Abin.

Não escapa ao advogado as contradições que o próprio serviço de inteligência acaba expondo em uma democracia. Uma delas, e talvez a mais complexa, é a relação entre o sigilo, inerente à atividade, e a transparência que os atos da administração pública devem ter.

No livro, Joanisval Brito sugere que o caminho para resolver esse dilema é a fiscalização efetiva dos trabalhos desenvolvidos por órgãos de inteligência. Uma das formas de controle se dá através do Legislativo, cuja função não é apenas de elaborar leis e aprovar orçamentos, mas também de controlar atos da administração pública. “A segurança e a necessidade de sigilo não podem ser argumentos, nas modernas democracias, para impedir o acesso do Poder Legislativo — como ente controlador — a determinadas atividades do Executivo”, constata.

Esse Poder Legislativo a que se refere o advogado também difere um pouco do que estamos acostumados a ver no Congresso nacional. “Inteligência é uma atividade de Estado, não devendo ser ‘politizada’ por interesses de grupos ou facções de governo”, afirma. “É importante que os parlamentares que atuam em órgãos de controle estejam conscientes de que ali exercem funções de Estado, devendo colocar de lado posições políticas em prol do interesse comum de salvaguardo do Estado e das instituições democráticas”, emenda.

Além de alertar com insistência para a necessidade de conscientização dos próprios parlamentares e de seus funcionários, que, ao atuarem no controle das atividades de inteligência terão em mãos documentos sob sigilo, fala sobre a criação de mecanismos rígidos de punição nos casos de vazamento de informações confidenciais obtidas através do trabalho de controle. “Tais punições devem englobar perda do mandato, inelegibilidade e até prisão”, diz o autor do livro.

Joanisval também chama atenção para a necessidade de existir, nos órgãos de controle, pessoas capacitadas no assunto. “Isso é importante mesmo para que seja possível a identificação de condutas irregulares por parte dos controlados”, afirma. O advogado conta que, nos Estados Unidos, é comum ter ex-funcionários da CIA assessorando os congressistas e trabalhando nas comissões de controle.

Ao falar de como as formas de controle foram desenvolvidas no mundo, Joanisval lembra que crises e escândalos envolvendo órgãos de segurança levaram os Estados a propor mecanismos de fiscalização do aparato estatal de inteligência. Os charmosos espiões só existem mesmo na literatura e nos filmes de 007. Na vida real, os agentes são mais lembrados por abusos de alguns ou como, no episódio recente que fez os Estados Unidos extraditarem supostos espiões russos, pelos seus deslizes em permanecer anônimos.

O autor traz o histórico do processo que levou países como Estados Unidos e Canadá a adotarem um controle das atividades de inteligência. Conta, ainda, que, na América Latina, a pioneira foi a Argentina. No Brasil, o controle surgiu em 1990.

Controle brasileiro

Na primeira parte do livro, Joanisval Brito se dedica a explicar os conceitos de inteligência, de accontability — que é uma forma de a administração prestar contas sobre seu trabalho, não apenas no sentido financeiro, mas de maneira mais ampla — de controles internos e externos da atividade.

Embora a obra seja acessível, mesmo com detalhes mais interessantes a estudiosos do tema, o melhor conteúdo para os leigos é reservado para o final. É na última parte que o autor esmiúça o controle do serviço secreto no Brasil, trazendo um histórico dos órgãos de inteligência no país e seu funcionamento, além de fazer várias sugestões para a reforma dos mecanismos de controle, cuja importância Joanisval faz questão de reafirmar durante toda a obra.

O autor conta que, em 1927, foi criado o Conselho de Defesa Nacional. Entretanto, a criação de um órgão próprio para lidar com as atividades de informações só se deu no contexto da Guerra Fria. O Serviço Federal de Informações e Contrainformações só foi estabelecido, diz Joanisval, com um decreto publicado em 1946, embora só tenha se efetivado uma década depois. Já no regime militar, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), que se tornaria famoso e temido pelo poder que adquiriu não só na obtenção de informações como pelo seu papel na repressão aos que lutavam contra o regime.

No que se refere ao controle externo do SNI, o autor diz que os chefes do órgão sempre ignoraram a convocação do Congresso, com exceção do último deles, o general Ivan de Souza Mendes. “O último chefe do Serviço compareceu perante a Comissão de Defesa Nacional do Senado, para tratar das reformas do órgão, poucos dias antes do fim do governo Sarney e da extinção do SNI”, conta.

Em 1990, o SNI foi extinto. Só uma década mais tarde foram criados o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Se a própria agência, como diz o autor, ainda apresenta problemas estruturais e funcionais, não é difícil concluir que o controle também seja insatisfatório. Joanisval vai além. Diz que o controle externo praticamente não existe, limitando-se a uma fiscalização financeiro-orçamentária. Entretanto, apresenta várias dicas de como incrementar esse controle, entre elas, uma aparentemente simples. “O diretor-geral da Abin é indicado pelo presidente da República, mas tem que ter seu nome aprovado pelo Senado.”

Legitimidade

Não por acaso, o capítulo a que se dedica a descrever o controle da atividade de inteligência no país começa com o trecho de uma fala do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “No Estado democrático de Direito, não se pode privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo compromete a própria legitimidade material do exercício do poder”.

Para o autor, além do controle pelo Legislativo ser de fundamental importância para a sociedade, os próprios órgãos de segurança se legitimam quando suas atividades passam pelo crivo do Parlamento. Um exemplo citado por ele no país foi quando, em 2005, a Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso (CCAI) apurou denúncias de que a Abin tinha vazado informações de suposto financiamento de campanha do PT pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) nas eleições de 2002. “O problema que veio a CCAI não era nem se havia ocorrido o financiamento, mas se a Abin estaria sendo usada como órgão político para levantar informações sobre a oposição — da qual então fazia parte o PT”, conta. Segundo o advogado, não houve indícios para que as denúncias em relação aos órgãos de inteligência prosperassem. Para Joanisval, o trabalho da comissão acabou respaldando o trabalho da Abin.

Leis insuficientes

Mais preciso o controle se controlados e controladores souberem quais são as atribuições dos órgãos de inteligência. Para Joanisval Brito é necessário elevar a atividade ao status constitucional. “Importante que o texto constitucional estabeleça mecanismos de controle externo dos serviços secretos”, diz.

Ele também sugere a criação de um órgão de controle externo que auxilie os parlamentares. Seria uma espécie de Tribunal de Contas da União, que, ao invés de fiscalizar os orçamentos, “se encarregaria da fiscalização e do controle quotidianos de toda a comunidade de inteligência, tendo credencial máxima de segurança, e com acesso irrestrito a atividades, conhecimentos e organizações de inteligência”.

Para Joanisval, faltam leis sobre o assunto. “Difícil operar em inteligência sem respaldo legal. O estabelecimento de uma legislação em que esteja claro o que se pode e o que não se pode fazer facilita em muito o controle por parte das autoridades públicas e da própria sociedade, ao mesmo tempo em que inibe eventuais práticas delituosas por parte de pessoas dos serviços secretos.”

Fonte: Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2011-jan-29/servico-inteligencia-brasil-controle-regras

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