MP pode obter dados sigilosos sem certeza de crime

Dorval Advogados Associados - Itajaí > Notícias  > MP pode obter dados sigilosos sem certeza de crime

MP pode obter dados sigilosos sem certeza de crime

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão do Ministério da Fazenda, tem um poder invejado por muitos policiais e promotores. Pode, sem precisar de autorização judicial, monitorar contas bancárias e aplicações financeiras com apenas um pedido, de acordo com a Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998). O intuito é comunicar às autoridades qualquer movimentação que indique crime.

Mas até onde pode ir essa iniciativa? Qual é o limite que separa uma transação atípica de um indício claro de crime, que motive a comunicação à procuradoria? A pergunta dividiu os desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Por dois votos a um, a corte entendeu que não cabe ao Coaf fazer investigação apurada das informações que colhe. Se achar que deve mandar os dados suspeitos à autoridade competente, pode fazê-lo, já que seu juízo é de “aparência”. Ainda cabe recurso. 

O caso envolve estrangeiro acusado de fazer parte de um esquema de contrabando de peças para máquinas caça-níqueis, que a polícia investiga em quatro estados. Ele é apontado como proprietário de 80 bingos em Joinville (SC), em sociedade com Antônio Escorza Antoñanzas, cônsul honorário da Espanha na cidade, preso em 2008 como chefe da quadrilha. Outros seis réus respondem ao processo.

A defesa do acusado, feita pelos advogados Jacinto Coutinho e Edward Carvalho, do escritório J. N. Miranda Coutinho & Advogados, pediu Habeas Corpus em março, afirmando que os indícios que motivaram a prisão foram ilegais, fornecidos à Polícia Federal pelo Coaf. Segundo eles, houve abuso pelo fato de a mensagem do órgão à autoridade policial ter mencionado “atividade atípica” e não crime.

A corte julgou o caso em maio, mas não sem que fosse necessária uma interrupção para vista do processo por um dos julgadores. O desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, em voto-vista, foi favorável à anulação da Ação Penal, mas ficou vencido. O relator, desembargador Luiz Fernando Wowk Penteado, reconheceu a legalidade das provas, no que foi seguido pelo desembargador Victor Luiz dos Santos Laus. 

“A lei é taxativa ao dizer que há necessidade de conclusão, por parte do Coaf, de ilicitude”, disse o desembargador Brum Vaz. Ou seja, “somente na hipótese de conclusão, pelo órgão, de atividade criminosa, há de haver a comunicação às autoridades responsáveis”.

Para ele, a justificativa que acompanha o envio das informações ao Ministério Público deixa evidente que o órgão violou suas funções ao mandar dados mesmo sem ter certeza da existência de indícios de crime. “O texto é manifesto: foram verificadas movimentações que ‘não são necessariamente ilícitas’. Salvo melhor juízo, está dito que não há evidência de crime algum.”

O relator do processo discordou. “Não incumbe ao Coaf proceder investigação para firmar convicção acerca de eventual prática delituosa”, disse o desembargador Wowk Penteado. Segundo ele, é o titular da Ação Penal, o Ministério Público, quem deve firmar convicção da existência ou não de crime. “O fato de referido órgão expressar que as movimentações financeiras ‘embora não sejam necessariamente consideradas ilícitas’, apesar de evidenciarem situações atípicas, não significa dizer que não constituam conduta delituosa”, inverteu. “Não cabe ao Coaf dizer que determinada prática é ilícita, já que não tem competência para tanto.”

O TRF-4 já havia se manifestado contra o repasse de informações nesses casos. “Se não constatada evidência de crime, não é permitido ao Coaf compartilhar informações obtidas dentro de suas atribuições legais, sob pena de, assim o fazendo, haver ilegalidade a ser reconhecida em sede de Habeas Corpus”, disse a 8ª Turma da corte ao julgar o HC 2008.04.00.032915-0, no ano passado. “O compartilhamento é exceção, que deve ser interpretada em sentido restrito, ou seja, não mais do que a norma autoriza”, afirmaram os desembargadores no acórdão, relatado dessa vez pelo desembargador Brum Vaz.

Para os advogados Jacinto Coutinho e Edward Carvalho, “a comunicação só é possível quando se tratem de recursos provenientes de prática criminosa e quando o movimento de valores possa se constituir em sérios indícios de crimes”. Segundo eles, as provas irregulares deveriam ser retiradas dos autos, obedecendo ao que diz o artigo 157 do Código de Processo Penal.

Suspeita volátil

Foram os relatórios de inteligência do Coaf que fundamentaram a representação do Ministério Público pela quebra dos sigilos fiscal, bancário financeiro e telefônico, o que por sua vez culminaram com a prisão. O órgão encaminhou informações do acusado ao Ministério Público Federal com a seguinte mensagem: “encaminho o anexo Relatório de Inteligência Financeira — RIF com informações sobre movimentações financeiras que, embora não sejam necessariamente consideradas ilícitas, evidenciam situações de atipicidade”.

Texto semelhante usado pelo Coaf em outro relatório fez com que a 8ª Turma considerasse a prova ilegal no ano passado. “Quando o Coaf reconhece expressamente em seu ofício, em sua correspondência oficial, que ele não viu nada, já não poderia mais, parece-me, validamente, legitimamente, constitucionalmente, compartilhar esses dados, porque isso constitui uma exceção a um princípio, a um direito fundamental”, disse o desembargador federal Brum Vaz ao julgar pedido de HC. “Há uma violação da própria lei, uma ilegalidade praticada pelo Coaf (…). Ou é letra morta da lei, ou o Coaf excedeu as suas atribuições.”

Banca quebrada

A Operação Cartada Final foi aberta em 2008 pela Polícia Federal para desmontar uma organização que vendia e alugava produtos contrabandeados para máquinas caça-níqueis. Acusado de ser o chefe da organização, Antônio Escorza Antoñanzas, cônsul honorário da Espanha em Joinvile (SC), foi preso em Natal no mesmo ano. Ele era dono de quatro bingos clandestinos na cidade, fechados pela Polícia. A operação apreendeu máquinas em quatro estados.

A acusação foi a de que Antoñanzas exportou ilegalmente máquinas eletrônicas, e importou componentes para sua fabricação. De acordo com as investigações, ele induziu a erro o Banco Central, ao subfaturar componentes estrangeiros. Os crimes apontados foram de corrupção ativa, falsidade ideológica, evasão de divisas, sonegação fiscal, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O cônsul ainda está preso. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de Justiça negaram liberdade provisória e mantiveram a prisão preventiva.

 

Fonte: Consultor Jurídico

https://fit.oab-sc.org.br/news/edicoes/573.htm#9823

Tags:

No Comments

Leave a Comment

Todos os direitos reservados. Dorval Advogados Associados.