Grandes escritórios chegam para aposentar trabalho autônomo

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Grandes escritórios chegam para aposentar trabalho autônomo

O administrador de empresas Clóvis Castelo Junior deu aulas em cursos de conciliação e mediação da Escola Paulista de Magistratura. Por um ano, conviveu com profissionais do Direito. Nesse período, presenciou as inquietações e as mudanças na vida de uma determinada parcela de advogados: aqueles que trabalham nos grandes escritórios. O assunto levou o também professor da Fundação Getúlio Vargas e do Centro Universitário São Camilo a estudar mais a fundo o tema.

O resultado é a dissertação de mestrado Contextos da Advocacia Pós-Profissional – Impactos da Organização do Trabalho da Advocacia Empresarial sobre os Profissionais Atuantes nas Grandes Sociedades de Advogados de São Paulo, defendida na Escola de Administração de Empresas da FGV. O trabalho é uma pesquisa qualitativa que contou com a colaboração de profissionais do Direito dos maiores escritórios de advocacia.

Clóvis Castelo explica que, após as mudanças econômicas vivenciadas pelo Brasil ao longo da década de 1990, o panorama da advocacia não permaneceu o mesmo. “Sociedades de advogados representam minoria numérica no país, onde quantitativamente predominam os pequenos escritórios à moda antiga, cada vez menos rentáveis e envolvidos numa concorrência feroz, quase predatória”, conta.

Com a intensificação da globalização e da concorrência, os antigos escritórios cederam espaço aos grandes, “ficando mais parecidos com as empresas de consultoria”. O trabalho, que antes era uma tarefa sobretudo autônoma, solitária e individual, pouco a pouco foi sendo substituído pelas equipes multifuncionais, constituídas por estratificações hierárquicas.

Os escritórios mais novos apresentam uma proporção maior pela segmentação na atuação, girando em torno de 50%. Já existe também um equilíbrio entre a atividade contenciosa e consultiva, com 53,43% e 46,56%, respectivamente. Antigamente, o profissional acompanhava o cliente até o fim do processo.

Dados da Comissão de Sociedade da OAB-SP mostram que, entre agosto de 2001 e junho de 2008, as sociedades ativas em São Paulo saltaram de 4.990 para 8.459, o que significou um crescimento de 69,51%. Nos mesmos sete anos, o Brasil ganhou 18 sociedades com mais de 100 advogados em seus quadros, pulando de sete para 25.

“A intensificação da globalização e da concorrência, a adoção de formatos organizacionais e de formas de organização do trabalho à semelhança das empresas assim como uma mentalidade orientada para o mercado rompem com o tradicional discurso profissional”, discorre o pesquisador.

A dissertação fala, por exemplo, sobre o advogado-associado, que é prevista no artigo 39 do Estatuto da OAB. Como determina a norma, ele só pode existir dentro de uma sociedade de advogados e mesmo assim sob a previsão de um contrato social. Não é nem sócio, nem empregado. Sua função, explica Clóvis Castelo, é prestar serviços exclusivos à sociedade. Porém, não existe também a relação empregatícia, como cuida o artigo 3º da CLT.

Um mundo flexível postou-se, assim, à frente do operador do Direito. “A formação do advogado brasileiro não vai no sentido das grandes empresas. Esse é um modelo americano e inglês. A consolidação da advocacia empresarial é algo novo, que gera muitas inquietações”, sustenta. Uma dessas inquietações Clóvis chama de “dilema do equilíbrio”.

O modelo empresarial de advocacia funciona como qualquer outra grande empresa. Há prazos e metas, os clientes são exigentes, os contratos requerem responsabilidade, a demanda de trabalho é alta. E, como não poderia deixar de ser, como acontece em toda empresa, existe o famoso plano de carreira. “O objetivo de quem trabalha nesses escritórios é virar sócio. Durante as minhas pesquisas constatei que os profissionais são altamente gabaritados, alguns com pós-graduação no exterior. Mas é preciso lembrar que nem todos chegam a esse patamar. A tendência é de que o caminho vá afunilando”, conta Clóvis.

Assim, o dilema do equilíbrio se faz presente quando o advogado não sabe se arrisca madrugadas no trabalho ou se vai pra casa brincar com o filho pequeno, sob o risco de não ver a criança crescer e nem ficar com a vaga. Na sua dissertação, o pesquisador toca no tema da mercantilização da profissão encarada como uma questão hamletiana, dividida na dúvida entre continuar advogando e morrer pobre ou fazer negócios.

É sobre essa dificuldade em estabelecer relações duradouras que o sociólogo Richard Sennet trata no livro A corrosão do caráter (Ed. Record, 2000). Segundo ele, as novas relações de trabalho, baseadas no capitalismo flexível e no curto prazo, impedem o contato social profundo, dificultando na formação do caráter. É pelo “pós-profissionalismo” do título da dissertação que Clóvis Castelo chama essas chamas relações, ocasionadas pelas “mudanças internas na organização e na natureza do trabalho dos profissionais, baseadas em novas tecnologias e em conhecimentos em constante revisão e atualização, o surgimento de novas profissões, integradas às originais, e o aumento da competitividade interna aos grupos”.

Assim, a advocacia do país “adaptou suas estruturas e seus métodos de organização do trabalho (embora tardiamente) em um processo semelhante ao ocorrido nos países centrais do capitalismo, quando visavam a aproveitar as grandes oportunidades surgidas pelas demandas de clientes globalizados atraídos pelas reformas estruturais dos anos 1990 e pelo incremento do dinamismo e da complexidade econômica brasileira”.

Um outro ponto que Clóvis Castelo faz questão de frisar é a nova relação que nasceu entre os advogados e seus clientes. “Um fato que acontece sempre é o cliente ligar às 18 horas da sexta pedindo algo pras nove da manhã do dia seguinte. E lá vai o advogado virar a noite trabalhando, sacrificando noites de sono.” Engana-se quem pensa que tanta dedicação vá garantir a clientela. O modelo da advocacia empresarial não supõe fidelidade. Se o cliente estiver insatisfeito, ele vai pro escritório do lado. “Eles adotam um comportamento agressivo junto aos prestadores de serviços ao se colocarem sempre dispostos a trocar de fornecedor em busca da promessa de melhores serviços a preços mais baixos”, conta.

Apesar dessa modernidade, Clóvis Castelo ressalta que há muitos resquícios da advocacia tradicional nesses ambientes. E muitas características acentuam as dúvidas. É o caso, por exemplo, do plano de carreira. Embora explícito, nem sempre a escolha do empregado a ser promovido é norteada pelo mérito pessoal de cada um. “Há ainda uma certa informalidade nas relações, que na verdade é típica do modelo tradicional.” Por isso, o caminho percorrido pelo advogado júnior ao nível de sócio do escritório mostra-se como mais uma inquietação. “Além do dilema do equilíbrio da vida pessoal e da profissional, o empregado enfrenta também esse segundo inquietamento”, conta.

Nesse cenário, levam vantagem os trabalhadores sintonizados nas mudanças, os “analistas simbólicos”. Nas palavras de Clóvis Castelo, são profissionais altamente elitizados e valorizados que, sintonizados com as grandes mudanças tecnológicas e de mercado, tornam-se imprescindíveis para gerir de maneira vantajosa o intenso fluxo de informações com o intuito de solucionar problemas na nova era da economia — dentre esses estão relacionados os advogados empresariais.”

Como enfrentar essa nova realidade? Clóvis Castelo dá a dica: “buscar a fluidez, a leveza e principalmente a “flexibilidade” nas ações, no comportamento e até na personalidade é mais do que uma atitude frente à necessidade de constante “reconstrução” e à realidade mutante e exigente dos mercados e da competição; é a virtude dos fortes e dos vencedores, cultivada por aqueles que não se prendem a nenhum tipo de vínculo limitante: valores ou relacionamentos disfuncionais”.

Fonte: Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2010-set-13/grandes-escritorios-chegam-aposentar-trabalho-autonomo

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